
NASCIMENTO
Quando nasci era sexta feira e a lua minguante era uma lâmina flutuando do esquerdo da janela. Nasci sem epiderme, sem essa camada que reveste o corpo e nos protege do mundo externo. Meus músculos, veias, nervos nasceram expostos, a mercê de tudo e todos. Não havia carapaça, revestimento, proteção. Era só miolo, sem casca. O que era para os outros mera impressão do sofrer e do prazer, eu sentia na pele, como se fossem meus. Muitos a mim vinham, pedindo que os explicasse, e ao sentir em mim o que lhes infestava a alma, compreendia o que neles habitava. Além de tudo isso, nasci mulher. Nasceu comigo essa ânsia de perpetuar, de transcender. Nasci para amar e amando muito, também sofrer. Apiedada de mim, contudo, a lua me cobriu com véu, tênue e transparente, como a luz da noite em que nasci, que, se bem usado, serviria de alívio para os ardores e os frios que a vida me traria. Pousando sobre mim um tanto de palavras, um tanto de si, um tanto de aflição, disse: sê poeta."
karen hanna

Nenhum comentário:
Postar um comentário